quinta-feira, 12 de maio de 2011

Boicote ao Exame do CREMESP!






Introdução 

            Olá Estudantes de Medicina do Brasil!
O texto abaixo tem a intenção de colocar a discussão que fazemos sobre o Exame do CREMESP/Exame de Ordem que muito vem sendo discutido atualmente pelas diversas entidades médicas brasileiras. A implantação de um Exame de Ordem para os egressos do curso de medicina, no estilo do exame proposto pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), gerou bastante controvérsia na categoria e pretendemos abordar essa discussão abaixo, dialogando sobre como esse projeto é inválido e prejudicial ao ensino médico.

O Exame de Ordem

A avaliação da qualidade do ensino médico nas faculdades de medicina do Brasil é de extrema importância para a busca da melhoria desse ensino e da possibilidade de formação de profissionais capazes de se apropriar de todo o conhecimento produzido na área. Buscam-se, dessa maneira, maneiras de se avaliar essas escolas e os estudantes, objetivando a descoberta de falhas durante o curso e possível correção destas.
Um dos maiores projetos que surgiram no Brasil para a avaliação das escolas médicas foi a CINAEM (Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação do Ensino Médico), criada em 1991 e tendo a participação de inúmeras entidades (CREMESP, CFM, DENEM, ABEM, FENAN, ANMR, etc.). Propunha-se a realizar uma avaliação diagnóstica sobre as escolas médicas brasileiras e dividiu-se em três fases: as duas primeiras investigavam as escolas médicas, para realizar essa avaliação diagnóstica e a terceira fase era de elaboração de uma proposta. A CINAEM teve como principal resultado a criação das Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Medicina, aprovadas em 2001 e que norteiam as atuais reformas curriculares que acontecem no ensino médico no Brasil.
Ao mesmo tempo, iniciativas de se avaliar o egresso do curso de medicina, ou seja, o estudante que está concluindo o curso também vem sendo pensadas. A idéia de se realizar um exame de ordem para os cursos de medicina no Brasil surgiu inicialmente, em 1989, e logo as principais entidades médicas e o movimento estudantil da área (a DENEM) começaram o debate sobre o tema, avaliando a proposta e se posicionando criticamente à mesma. Nos últimos anos, diversos projetos de lei vêm sendo encaminhados ao congresso para a criação de uma avaliação que possa selecionar os egressos para o mercado de trabalho. Essa avaliação tem recebido diversos nomes, entre eles, Exame de Ordem, Exame de Habilitação para o Exercício da Medicina, Exame Nacional de Proficiência em Medicina, etc.


O CREMESP como Pioneiro na Proposta de um Exame de Ordem

A entidade pioneira na realização e na defesa da instituição de um Exame de Ordem para a Medicina é o CREMESP (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo). Desde o ano de 2005, essa entidade vem realizando exames terminais não obrigatórios para os estudantes de medicina do estado de São Paulo que estão no último ano do curso. Essas provas se propõem a ser uma experiência para a avaliação das escolas e dos estudantes, deveria ter durado o período de três anos, como uma fase de testes; mas vem se estendendo ano a ano, para outras localidades do país, objetivando uma possível instituição de um exame de ordem nacional parecido com este que é realizado pelo CREMESP, para a retirada do mercado de trabalho de profissionais considerados incompetentes por terem reprovado no exame.
A justificativa daqueles que defendem esse modelo de avaliação e que se propõe a organizá-lo é de que é necessário proteger a população brasileira dos erros médicos e de que é necessário colocar um entrave para a abertura indiscriminada de novas escolas médicas de baixa qualidade. Ambas as justificativas são bastante discutíveis.

O Porquê Somos Contra o Exame de Ordem/Exame do CREMESP


É inegável que o número de erros médicos tenha aumentado nos últimos. Devemos, entretanto, questionar-nos se esse aumento de erros médicos é causado apenas pelos médicos recém-formados. E aqueles que se formaram há alguns/muitos anos? Como avaliaremos a conduta desses profissionais mais velhos? Será que eles não cometem erros no exercício de sua profissão? A culpa das condições de saúde em que se encontra a sociedade seria decorrente apenas dos médicos recém-formados?
É inegável, também, que houve um aumento substancial do número de escolas médicas no Brasil. Mas afirmar que o exame de ordem seria um entrave para a abertura indiscriminada de novas escolas é negar a história, já que há provas de que isso é amplamente discutível. Estudos mostram que após a implantação do exame da OAB, o número de escolas de direito quintuplicou no Brasil em um período de menos de dez anos; seguindo a lógica de que existe uma prova que selecionará os alunos “bons”, excluindo os “ruins” do processo, não há a preocupação em se criar escolas de boa qualidade, o que permitiu a criação de mais de 500 escolas de direito no Brasil em curto período de tempo.
Posicionamos-nos contrários ao Exame de Ordem por diversos motivos além dos já citados, que começaremos a discutir com mais aprofundamento a partir de agora!


Avaliação Terminal, Limitada

O Exame de Ordem é um modelo de avaliação limitado, constituindo-se por um prova terminal (no final do curso), aplicado em apenas um momento da formação. Apenas por isso, já fica claro que essa prova não permite o diagnóstico das falhas durante o ensino (que são seis anos de curso) e, muito menos, permite a correção dessas falhas. É uma avaliação que não avalia a progressão do estudante ao longo do curso, não avalia suas habilidades e, por fim, não permite um diagnóstico das deficiências ao longo do currículo médico.

Desresponsabilização da Escola Médica e Culpabilização do Estudante

Essa avaliação terminal acaba por provocar uma desresponsabilização da Escola Médica na formação do médico, culpabilizando apenas o estudante pelo seu desempenho final na prova, já que não possibilita a avaliação de itens imprescindíveis para uma adequada avaliação de como anda o curso: a infra-estrutura do curso (rede de laboratórios, salas de aula, equipamentos adequados, etc), os campos de prática (hospitais, ambulatórios, enfermarias, unidades básicas de saúde), o corpo docente, o currículo médico.  A responsabilidade de se passar na prova, dessa maneira, fica por conta apenas do estudante, não sendo uma maneira de se diagnosticar falhas no ensino e muito menos de propor correções a estas

Criação de Subprofissão e Agravamento da Precarização nas Relações de Trabalho

Outra questão importante a ser abordada sobre esse assunto é: o que o estudante egresso que não passar no Exame de Ordem poderá fazer? A resposta para essa pergunta é simples! Tornar-se-á um bacharel em medicina! Então, surge outra questão: o que o bacharel em medicina faz? Resposta: Nada! Ou melhor, não poderá exercer sua profissão. Esse fato se torna bastante complicado se analisarmos a questão de que existe a possibilidade daqueles que não passarem no exame, entrar no mercado ilegalmente, criando uma subcategoria de trabalho e intensificando as relações de exploração e precarização do trabalho médico.

Reserva de Mercado

Enxergamos, além disso, uma intenção muito clara daqueles que se propõem a organizar essa prova de criar uma reserva de mercadoparo o trabalho médico. Mas o que é isso?
A reserva de mercado é caracterizada como a regulação de vagas para a entrada no mercado de trabalho de profissionais, visando a manutenção salarial daqueles que já estão trabalhando e a estabilidade dos mesmos. É uma medida totalmente corporativista (já que os defensores dessa avaliação são médicos já inseridos no mercado de trabalho) que pretendem regular a entrada daqueles que podem e que não podem exercer sua profissão. Além de ser uma medida absurdamente corporativa, demonstra um verdadeiro descaso com a sociedade, já que a reserva de mercado visa somente atender aos interesses do médico já empregado, desconsiderando o contexto social em que esse profissional se insere e podendo até prejudicar a sociedade.

Rankeamento e Proliferação de Cursinhos

Questionamos a intencionalidade daqueles que se propõem a organizar essa avaliação, como o CREMESP, sobre o que será feito com os dados estatísticos obtidos a partir da realização da prova pelos egressos. A experiência nos mostra que esses dados são utilizados apenas para se fazer um rankeamento das escolas médicas, propagandeando aquelas aos quais os estudantes vão bem, e ridicularizando aquelas aos quais os estudantes não passam. A instituição de um Exame de Ordem apenas agravaria o que já vem acontecendo com os resultados desse exame proposto pelo CREMESP e ainda tornaria o quadro muito mais obscuro, já que ocorreria uma proliferação dos cursinhos preparatórios para o exame de ordem (algo que já ocorre com relação às provas de residência). Essa proliferação de cursinhos faria com que o estudante focasse sua graduação no aprendizado da prova, deixando de lado a imprescindível formação teórica e prática para uma adequada prática clínica, o que é um agravante para a piora do estado em que se encontra o ensino médico no Brasil.

A Falsa Proteção da População

Surpreende-nos a abordagem feita sobre a necessidade de se implantar um Exame de Ordem urgentemente para a proteção da população, que estaria sujeita a riscos de maior adoecimento devido a erros médicos. Mas, se estão tão preocupados com a proteção da sociedade, porque não lutam pela melhoria da organização do sistema de saúde? Pela transformação social? Questões como essas vêm a nossa cabeça no momento em que se utiliza de argumentação tão falsa como essa. Precisam entender que há diversos problemas no nosso sistema de saúde que impedem o acesso da população ao mesmo, sendo este fato verdadeiramente preocupante.
Um desses problemas é a questão do financiamento da saúde. Como se pode querer promover o acesso de qualidade a toda a sociedade ao sistema de saúde, se este não tem um financiamento adequado? Estima-se que o gasto público com o sistema de saúde (tanto público quanto privado) seja de 7,6% do PIB atualmente, muito abaixo daquele previsto pela EC-29 (emenda constitucional que regulariza o financiamento do SUS) e extremamente preocupante para a manutenção do sistema. É só olharmos para os hospitais de ensino nos quais atuamos: filas imensas para a realização de exames, controle do pedido de exames, tecnologia ultrapassada, etc.
Outro problema bastante relevante e atual são as privatizações e terceirizações na área da saúde. Há um movimento cada vez mais amplo de privatizar a gestão dos hospitais, ambulatórios e unidades básicas de saúde, com a justificativa de melhor planejamento e gestão do dinheiro. A criação de projetos de Organizações Sociais de Saúde (OS´s) e Fundações Estatais de Direito Privado (FEDP) são a prova de que os governos estão cada vez mais preocupados em passar a responsabilidade da gestão para o setor privado. Isso faz com que as relações de trabalho sejam totalmente precarizadas submetendo o trabalhador a intensa exploração (lembre-se que você, estudante de medicina, é futuro trabalhador!!!). Salientamos a falsa idéia de que a gestão privada é melhor do que a pública: casos comprovando esse fato estão cada vez mais aparecendo na mídia ultimamente, como o caso da Fundação Zerbini – do INCOR – e da SPDM – Sociedade Paulista para o Desenvolvimento da Medicina.
A questão da super exploração do trabalhador em saúde também é bastante preocupante, pois o submete a se empregar em dois ou mais empregos diferentes, saturando-o e possibilitando o desenvolvimento de diversas enfermidades psicológicas nesse trabalhador, tornando seu emprego estressante e sua prática prejudicial ao paciente.
Concluímos, a partir dessas análises, que a questão da proteção da população e da garantia de uma assistência de saúde de qualidade a mesma, perpassa por muito mais problemas e questões sociais do que a capacidade de um egresso passar em uma prova ou reprovar na mesma. Precisamos nos atentar para esse debate sobre a organização da assistência em saúde no Brasil ao invés de nos preocuparmos apenas em regular o mercado de trabalho. Questionamo-nos sobre o porquê de os grandes idealizadores dessa proposta de exame de ordem não se preocuparem com o fato de o sistema de saúde do nosso país estar aos frangalhos e se utilizarem de uma falsa proteção à sociedade para justificar a existência de uma avaliação como a proposta.

Falsa Sensação de Segurança

            Uma das últimas questões que gostaríamos de abordar nesse resumido texto é a falsa sensação de segurança que a instituição de uma prova como a proposta poderia causar na sociedade. Segundo o CREMESP, a existência do Exame de Ordem faria com que os maus profissionais ficassem fora do mercado de trabalho e não pudessem exercer sua profissão. Essa questão abriria uma brecha para que houvesse uma diminuição da fiscalização e do acompanhamento das escolas médicas no Brasil (já que haveria uma “peneira” depois), e permitiria a abertura indiscriminada de novas escolas. Isso é um problema bastante grave, e devemos nos alertar sobre essa falsa sensação de segurança.

Nossas Propostas

Agora todos devem estar se perguntando: “Mas e aí, já sabemos que o exame é ruim, mas o que podemos e devemos fazer?”
Bom, para todos aqueles que acham que o movimento estudantil não tem proposta, é só reler o texto até aqui e perceber que nossas críticas já estão todas embasadas de propostas que temos a fazer!
Entendemos que o problema da educação médica no Brasil é grave e não será resolvido com uma solução simples e pontual como o Exame de Ordem. Nós queremos ser avaliados; mas queremos uma avaliação que contribua para a melhoria da Escola Médica, que possibilite a avaliação da infra-estrutura, do corpo docente. Uma avaliação que avalie o estudante ao longo da formação e permita a este e à escola, reparar as deficiências no ensino.
Exigimos melhores condições de trabalho, cargos e salários dos profissionais médicos. Lutamos por uma saúde 100% pública, estatal, gratuita e de qualidade para toda a população. Exigimos a abertura de novas escolas somente com qualidade e comprovada necessidade social
Frisamos que não somos contrários a ser avaliados; pensamos que a avaliação deve ser seqüencial e deve envolver diversos setores da sociedade. Queremos debater e chegar a uma solução em conjunto!
Por isso, nesse ano, junte-se a nós à campanha “Não ao Exame de Ordem para Medicina”. Vamos mostrar nossa voz e sermos ouvidos contra a realização do Exame do CREMESP.
BOICOTE!!!
“Se você não apóia, não faça a prova!”

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